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Ano

  • 2024

Tragédia, milagre e times de alta performance

Vinicius Buso | Diretor de Cultura da iN 

Há mais ou menos 3 meses assisti pela Netflix o filme “Sociedade da Neve”, que narra história real do voo 571 da Força Aérea Uruguaia, que em 1972 partiu de Montevidéu rumo a Santiago do Chile com 50 pessoas a bordo. Entre os passageiros, um grupo de jovens rapazes de uma equipe de rúgbi, que planejava uma viagem memorável para jogar e sobretudo se divertir em um novo país. Um voo aparentemente rotineiro de cerca de 3 horas, brutalmente interrompido por um desastre ao ser sugado pela Cordilheira dos Andes. Apenas 29 pessoas sobreviveram, após 72 dias completamente isolados na neve.

Esta história mítica e heroica povoou o meu imaginário desde criança. Me lembro nos anos 80 as chamadas na TV para o filme Os Sobreviventes dos Andes (1976), que trazia o tom dramático ao mesmo tempo fascinante deste episódio. Mas como eu era muito pequeno, meus pais não me deixavam assistir.

Quando soube do lançamento da nova produção, isso me despertou uma enorme curiosidade. Se há 40 anos um filme sobre esta história já me atraía, imagina hoje, com as tecnologias e qualidade de produção atuais. Certamente o filme seria superinteressante. E ele realmente é.

Uma tragédia ou um milagre?

É com esta frase que o filme começa.

Dependendo dos olhos de quem assiste, o filme pode despertar horror e tristeza com as cenas de desespero e sofrimento, mas também é possível de enxergar a beleza da solidariedade e compaixão que se estabelece entre pessoas totalmente abandonadas à sorte em condições extremas de fome e frio. Eu me conecto muito mais com a segunda perspectiva.

O nome “Sociedade das Neves” faz todo o sentido. Porque ali, no meio do nada, à beira da morte, as regras, crenças, padrões, pressupostos e instituições que regem a sociedade e o nosso convívio no dia a dia podiam ou não permanecer válidas. Isso iria depender de como as pessoas se comportassem e as situações se desenrolassem.

Mas o que se viu, ao longo dos mais de dois meses de luta diária por sobrevivência, foi um espírito de cooperação e união fortíssimos. Desde o primeiro dia, quando recuperam o pouco de mantimentos disponíveis e partilharam igualmente entre todos que estavam ali.

Para mim, como um profissional que há mais de 15 anos estuda organizações, apoio no desenvolvimento de times e lideranças, a grande questão ao final do filme foi: Como e por que este grupo escolheu o caminho da cooperação, coesão e interesse coletivo ao invés do caminho da brutalidade e luta pela sobrevivência e interesses individuais? Sobretudo quando falamos de SOBREVIVÊNCIA, onde instintos primitivos e violentos tendem vir a tona?

Foi aí que me lembrei de uma passagem muito breve, logo nos primeiros três minutos do filme, que provavelmente passa despercebida, mas que para mim é um ingrediente fundamental no desfecho desta história. As cenas mostram o time disputando um jogo de rúgbi, com os jogadores realizando uma jogada e se comunicando em campo e, na sequência, o mesmo grupo no vestiário, discutindo sobre o resultado da partida e se organizando para a futura viagem.

Aquilo para mim revela a chave que explica em grande parte os fatores decisivos para sucesso daquele grupo. Na verdade, o que se observa ali são alguns elementos que caracterizam um alto nível de maturidade, típicos de um time de alta performance.

O primeiro, é a existência de uma liderança clara, reconhecida e compartilhada por todos. Logo após o acidente, o técnico do time de rúgbi imediatamente assumiu o papel de líder do grupo, com o reconhecimento e confiança de todos.

Segundo, a existência de um objetivo ou um propósito claro e comum. Parece óbvio que o objetivo de todos que estavam ali era sobreviver e encontrar alguma forma de serem resgatados. Mas manter esta chama de esperança acessa quando tudo está por um fio não é tarefa fácil.

Outro elemento importante, é que entre as pessoas do grupo parecia existir uma comunicação aberta e um ambiente seguro para todos pudessem se expressar com franqueza,    mesmo quando havia diferenças. Decisões cruciais foram tomadas considerando diferentes pontos de vista e respeitando as diferentes crenças que quem estava ali.

Por último, está a capacidade do grupo de estabelecer acordos e cooperar com frequência, estabelecendo papeis claros e onde cada um assumia a responsabilidade (accountability) sobre as suas tarefas. Isso se notava tanto nas rotinas diárias de limpeza, manutenção das instalações e cuidados uns com os outros quanto e momentos mais decisivos, quando se arriscavam em incursões nas montanhas em busca de salvamento.

Há uma frase mencionada ao longo do filme que diz “Hay que regresar al pasado sabiendo que el pasado es lo que más cambia” (“Devemos voltar ao passado sabendo que o passado é o que mais muda.”)

Para mim esta é uma pista fundamente para desvendar o filme. Porque é este passado, de um grupo coeso e maduro, forjado pelo esporte que garante as condições para que aqueças pessoas alcancem um feito extraordinário. Típicos de um time de alta performance.

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